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]]>Em sua comunicação oficial, o Banco Central mencionou diversas vezes nos últimos anos que a dinâmica da política fiscal pode ser um risco para a inflação. Essa a relação, entretanto, não é sempre tão clara.
Vejo três principais canais pelos quais o equilíbrio das contas públicas pode afetar os preços da economia: demanda interna, risco país/taxa de câmbio e risco de monetização da dívida pública. Vale analisar a situação atual desses canais para entender ser a política fiscal vai contribuir com a redução da inflação atualmente almejada pelo Banco Central.
O primeiro é o canal da demanda interna, pelo qual o aumento da despesa pública pressiona a demanda por bens e serviços da economia. Pode ser diretamente, por meio de compras públicas; ou indiretamente, por meio de transferências de renda às famílias (como é o caso do Bolsa Família e outros programas sociais). O aumento da demanda se traduz em aumento de preços, se não houver ociosidade nos fatores de produção da economia – ou seja, se não der para aumentar a oferta sem pressionar muito os custos.
Este canal não parece que trará alívio no curto prazo. Entre 2021 e 2023, a despesa pública do governo central cresceu 21% (!) acima da inflação, mesmo quando descontados os programas emergenciais relacionados a Covid 19. Fora as desonerações tributárias setoriais, como o recente corte de tributos sobre combustíveis, que liberaram renda disponível ao consumidor e só recentemente foram parcialmente reestabelecidas.
A equipe de economia da XP fez um estudo mostrando a importância desta expansão fiscal para sustentar a massa salarial e, por conseguinte, a demanda interna (confira o relatório aqui). Uma evidência adicional é resiliência recente de indicadores como vendas no varejo de segmentos ligados à renda e produção do setor de serviços. Acredito que esta seja uma das razões para a inflação de serviços seguir elevada no Brasil.
A proposta de arcabouço fiscal resolve o problema para frente? Ele é positivo no sentido em que limita o crescimento das despesas para frente, a uma taxa bem menor do que a média histórica do Brasil. Desta forma, traz alguma visibilidade aos agentes da economia. Na avaliação do Banco Central, contida na última ata do Copom, “o arcabouço fiscal reduziu a incerteza associada a cenários extremos de crescimento da dívida pública”. Mas, ao garantir crescimento real das despesas a partir de um patamar já elevado, avalio que pode ser descrito como expansionista para a demanda interna.
O segundo canal é o da depreciação cambial gerada pelo risco fiscal. Aqui estamos melhores, por conta do ambiente global favorável mais ao Brasil relativamente a outras economias emergentes. Em momentos passados de aumento da percepção de risco fiscal, um dos reflexos foi a depreciação da taxa de câmbio, e consequente pressão sobre a inflação doméstica. Acredito que isso foi verdade no início da pandemia, quando o real descolou da maioria de seus pares e permaneceu bem mais depreciado que no pré-pandemia. Esta foi uma das razões pelas quais a inflação no Brasil acelerou mais rapidamente do que da maioria dos países entre 2020 e 2021.
Nos últimos 18 meses, porém, a diferença entre o real e seus pares veio se estreitando. A taxa de câmbio, que estava em 5,6 reais por dólar em agosto de 2021, se valorizou para cerca de 5,0 reais hoje. Em parte por conta da valorização dos preços das commodities, da atuação independente do Banco Central brasileiro e da atratividade da matriz energética do país, mais limpa e renovável.
Desta forma, a depreciação do real não vem sendo um canal que preocupe o BC, pelo menos por ora.
Por fim, o canal que chamei de risco de monetização da dívida pública. Este risco está associado ao fato de que se o país tem uma dívida crescente ao longo do tempo, é alta a possibilidade de um calote em algum momento. Se a dívida é interna, em moeda local, a maior probabilidade é que esse calote seja com inflação, com que financia o governo por meio do famoso imposto inflacionário. Os brasileiros não precisam fazer um esforço para imaginar isso acontecendo. Foi assim que financiamos os gastos públicos nas décadas de escalada inflacionária, até 1994. Mesmo no período pós-real, vez por outra assistimos uma acelerada da inflação que ajusta as contas temporariamente. A última foi em 2021/2022.
Esta possibilidade de financiamento inflacionário se reflete nas expectativas de inflação. Os agentes econômicos – empresas, comerciantes, prestadores de serviços – passam a incorporar esse risco em seu processo de formação de preços, o que acaba tornando a aceleração da inflação quase uma profecia que se torna realidade.
Neste ponto, a escolha por um arcabouço fiscal de mais gastos e mais receita é um caminho possível, pois equilibra as contas. Mas arriscado. O gasto autorizado é quase uma certeza. Já a busca por receitas é bem mais incerta. As estimativas do time da XP indicam que dos 219 bilhões de reais em aumento de receitas anunciados pelo Ministério da Fazenda, algo como 136 bilhões – 62% do total – devem se realizar (ver tabela).
É uma elevação importante, mas que provavelmente não fechará a conta. Nas contas da XP, mesmo incluindo essa arrecadação adicional, o déficit primário em 2024 ficará próximo a 1% do PIB – diferente do 0% contido na meta indicada pelo Ministério da Fazenda (detalhes em nosso último relatório mensal, aqui). Neste cenário, a dívida pública como proporção do PIB deve voltar a crescer nos próximos anos.
Também por este terceiro canal, é possível que a dinâmica fiscal mantenha as expectativas de inflação ainda pressionadas, a menos de um aumento de carga tributária de tal monta que pode pesar sobre o crescimento econômico.
Em suma, avaliando os principais canais de transmissão da política fiscal para a inflação, há razões para o Banco Central ainda manter cautela e, possivelmente, manter a política monetária no campo contracionista por mais tempo.
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]]>O Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil (Copom) se reúne pela 253ª vez nos dias 21 e 22 de março. Esta talvez seja uma das reuniões mais esperadas e importantes de sua história, não somente por conta do ambiente econômico complexo no Brasil e no mundo, mas também pelo momento político do país – especialmente no que diz respeito à relação entre a autoridade monetária e o Poder Executivo.
O Copom foi instituído em 1996 “com o objetivo de estabelecer as diretrizes da política monetária e de definir a taxa de juros”, segundo o site do Banco Central (BC). É composto pelos diretores da instituição, que se reúnem para calibrar os parâmetros da política monetária em periodicidade pré-estabelecida e divulgada, embora possa haver reuniões extraordinárias. O instrumento básico utilizado pelo Copom é a taxa de juros Selic.
Na semana que sucede cada reunião, o comitê divulga sua ata – documento em que explica mais detalhadamente sua decisão. O conhecimento sobre os membros do comitê, o calendário pré-divulgado e a ata detalhando a decisão tornam a política monetária mais transparente e previsível do que a maioria das demais políticas públicas.
O objetivo central do BC (e, consequentemente, do Copom) é controlar a inflação, fazendo com que ela fique o mais próximo possível da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Os canais de transmissão dos juros para a inflação não são tema para este artigo, mas estão descritos em bons manuais de macroeconomia.
A noite de Copom é agitada. Logo após a divulgação do resultado e do comunicado que acompanha a decisão, jornalistas correm para repercutir e ouvir fontes “do mercado”. Analistas e gestores interpretam cada palavra do comunicado para tentar antever os próximos passos do comitê em relação aos juros. Uma decisão ou comunicado diferente do esperado impacta os preços dos ativos financeiros no dia seguinte, especialmente os juros futuros. É uma noite em que a rodada do futebol das quartas-feiras fica em segundo plano.
O mercado vai prestar particular atenção na reunião deste mês. Vai ser uma decisão difícil para o comitê.
O cenário de juros globais, que parecia menos incerto no início do ano, voltou a ficar em aberto. Os dados recentes de atividade fortes e de inflação elevada nos EUA sugerem juros mais altos por mais tempo. Juros mais altos por lá, geralmente, demandam juros mais altos por aqui também.
A possível crise no setor bancário iniciada com a falência do banco SVB pode significar uma mudança de 180 graus na política monetária global. Mas ainda parece cedo para esse veredito.
No Brasil, a inflação vem rodando perto de 6%, bem acima da meta de 3,25% para este ano. Houve queda frente aos picos do ano passado (quando passou de dois dígitos) nos últimos meses, mas esse movimento parece perder força.
Mesmo que o CMN mude a meta para 4,0% ou 4,5%, como o presidente Lula indicou, ainda estaríamos longe do alvo. E, se essa mudança ocorrer, a sinalização de aceitar uma inflação mais alta tende a levar os agentes econômicos (bares, lojas, serviços etc.) a se garantir, subindo mais seus preços, tornando a inflação mais resistente na economia.
Do lado das contas públicas, a PEC da Transição aprovada logo após a eleição presidencial deu uma clara sinalização na direção expansionista, ao elevar o limite de gastos públicos de 2023 para bem além do necessário para atender as promessas de campanha.
O pacote fiscal que o ministro Haddad anunciou pode ajudar a controlar parte do déficit público, mas a maioria de suas medidas são de pouca efetividade. Um exemplo era a promessa de economizar com programas do governo, que já parece cair por terra com a revisão recente do programa Bolsa Família.
Outra sinalização de injeção de liquidez na economia é pelo BNDES. O diretor Nelson Barbosa (ex-ministro da Fazenda) afirmou em entrevista a intenção do banco de emitir títulos incentivados para financiar um aumento dos empréstimos do banco público. A postura mais ativa do BNDES expande as condições monetárias, o que tende demandar uma Selic mais elevada para equilibrar a economia.
Essas são razões que sugerem ao Copom uma postura conservadora nos juros, mantendo a Selic em 13,75% e sem sinalizar quedas no curto prazo.
Há, em contrapartida, uma grande incerteza no mercado de crédito brasileiro. Empresas vêm demostrando dificuldades diante dos juros elevados. O endividamento das famílias é o mais elevado dos últimos anos. Por fim, a incerteza gerada por eventos corporativos, como o da Americanas, freou o mercado de capitais.
Se estivermos diante de uma trava no mercado de crédito, que empurre rapidamente a economia para uma recessão, talvez isso justifique uma flexibilização na comunicação para indicar um corte de juros próximo.
Mas parece haver pouca evidência de que isso já esteja acontecendo. O BC, na ata de seu comitê de estabilidade financeira, afirmou que a dinâmica do mercado de crédito “não representa preocupação no médio prazo”, embora reconheça que existem “incertezas”.
A meu ver, há pouca evidência de disfuncionalidade e, principalmente, de que isso pode trazer a inflação para baixo. Desta forma, reagir de imediato a essa incerteza me parece tomar um risco alto da inflação ficar mais elevada por mais tempo, caso os efeitos do choque negativo do crédito não se mostrem intensos.
Há ainda o componente político. Desde sua posse, o presidente Lula vem reiterando suas críticas ao atual nível de juros. O ministro Haddad, ao anunciar a reoneração parcial dos combustíveis, citou que isso ajudaria a reduzir juros. A ministra Simone Tebet repetiu o mantra do presidente Lula de que a inflação não é de demanda – argumento que discordo não apenas porque vejo sinais de inflação de demanda, como também porque cabe ao Copom reagir aos efeitos secundários, mesmo que inflação seja resultado de um choque de oferta.
Nesse contexto, o governo parece esperar uma sinalização benigna do Copom nesta próxima reunião, indicando corte de juros iminente. Do ponto de vista técnico, no entanto, isso parece improvável, considerando as razões mencionadas acima. Pode ser um risco à sua credibilidade.
Há a aposta de que o anúncio do novo arcabouço fiscal convença o Copom. Entendo que, mesmo com uma proposta crível e rígida, esse será apenas o pontapé inicial. Ainda haverá trâmite no governo e no Congresso.
Assim, parece uma estratégia mais segura ao Copom – formalmente independente, que fará sua segunda reunião sob um governo que não o nomeou – manter uma postura neutra e técnica, aguardando a consolidação dos fatos para tomar uma decisão mais convicta. Se arriscar e errar, o risco é colher uma inflação mais alta por mais tempo, colocando em xeque sua credibilidade. Depois, é difícil a pasta voltar ao dentifrício.
O Copom se reunirá sob pressão da inflação e da política, e com grande incerteza sobre os juros internacionais e o mercado de crédito brasileiro. Não será fácil, e o barulho será grande qualquer que seja a decisão.
Dia 22 de março, 18h30, nas telinhas perto de você. Não perca.
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]]>A inflação foi um dos principais temas econômicos em 2022. Os preços ao consumidor aceleraram de forma sincronizada em boa parte do mundo. A inflação nos países desenvolvidos atingiu os maiores patamares desde o início da década de 80, época dos grandes choques do petróleo.
O movimento foi um claro efeito colateral das medidas contra a Covid-19. O combate à pandemia se fundou em dois pilares: a necessidade de distanciamento social, que provocou interrupção das cadeias globais de produção e fornecimento de produtos e insumos; e uma intensa transferência de recursos do setor público para o privado (empresas e famílias) para que os fluxos de pagamento não se interrompessem com o “apagão” do primeiro semestre de 2020.
O resultado foi um forte impulso à demanda em momento de restrição de bens e serviços, gerando choque de oferta e de demanda. A boa notícia é que essas ações foram revertidas ao longo do ano passado, contratando uma desinflação importante para este ano. Do lado da oferta, o indicador de pressão das cadeias de produção do NY Fed melhorou substancialmente. Os preços de fretes marítimos, que explodiram durante a pandemia, hoje estão alinhados com 2019. Do lado da demanda, os principais bancos centrais do mundo fizeram significativos ajustes em suas taxas de juros, e os programas de transferência direta de recursos, na maioria dos casos, cessaram.
Isso não significa que o jogo está ganho e é só esperar a inflação cair. Os bancos centrais seguirão vigilantes, e vão apertar mais as condições financeiras se necessário. Mas me parece seguro dizer que, quando fizermos uma “retrospectiva 2023” no fim do ano, a inflação não será destaque.
Essa é uma boa notícia para o Brasil. Não é exagero dizer que nosso banco central foi um dos primeiros no mundo a perceber que a inflação gerada pelo combate à pandemia não iria desaparecer sozinha. E começou a ajustar as taxas de juros em março de 2021, bem antes de seus pares. Mas por muito tempo agiu como um bombeiro tentando apagar o fogo no quintal de casa, quando o incêndio era em todo o quarteirão. Agora, com os juros já em patamar bem contracionista por aqui (quase 8% em termos reais) e o resto do mundo se ajustando, a perspectiva de curto prazo da inflação melhora.
A ênfase aqui, no entanto, é o “curto prazo”. Pois, ao longo do tempo, o que vai determinar mesmo se a inflação vai voltar à trajetória de metas (3% em 2024 e 2025) é o equilíbrio da economia, especialmente nas contas públicas. Se entrarmos um uma trajetória de endividamento público crescente, os formadores de preços e salários da economia (empresas de diferentes tamanhos e setores) vão acreditar que, em algum momento, uma corcova inflacionária virá para pagar a conta. Esta tem sido a história da economia brasileira nas últimas décadas.
Em “economês”, chamamos este movimento de desancoragem das expectativas. Quando isso acontece, se torna mais difícil e custoso para o banco central manter a inflação estável, pois tem que ficar o tempo todo fazendo o contrapeso com juros altos.
Parece ser exatamente isso o que está acontecendo com o Brasil. As projeções de inflação, capturadas pela pesquisa Focus, estão subindo para horizontes que vão além daquele capaz de ser influenciado pelas decisões de política monetária, estimado pelo banco central em 1,5 ano. De fato, no comunicado que acompanhou a última reunião do Copom, em 1º de fevereiro, os membros do comitê enfatizaram que “a conjuntura, particularmente incerta no âmbito fiscal e com expectativas de inflação se distanciando da meta em horizontes mais longos (…) eleva o custo da desinflação necessária para atingir as metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional”.
Esta desancoragem ganhou fôlego com a PEC da transição, que abriu espaço para gastos além do necessário para este ano, e sinalizou um viés mais expansionista como perfil do novo governo. De fato, as contas da XP indicam que o endividamento público seguirá crescendo nos próximos anos, mesmo considerando medidas de recuperação de receita anunciadas pelo Ministério da Fazenda.
Corremos o risco, portanto, de não surfar a desinflação global por conta dos desequilíbrios internos. E o problema se intensificará se buscarmos uma saída fácil para o problema: subir a meta de inflação. Uma meta mais elevada consolidaria o processo de alta das expectativas, tornando ainda mais provável o cenário de inflação elevada à frente. O banco central, para atingir o mesmo nível de taxa real de juros (que é o que realmente impacta a economia), teria que operar com uma taxa Selic mais elevada. O custo de dívida iria crescer – dado que boa parte dela é indexada à inflação ou à taxa nominal de juros – agravando o problema fiscal.
É uma saída que nos leva a uma situação pior. Ou seja, não é uma saída.
Melhor voltarmos o foco para o novo arcabouço fiscal, que está sendo gestado na equipe econômica e deve ser apresentado ao longo deste semestre. Como argumentei no meu artigo anterior, uma regra fiscal crível e bem desenhada trará coordenação entre a política fiscal e monetária, abrindo espaço para queda de inflação e juros adiante. Esperamos ansiosamente por ela.
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]]>Apesar dos resultados positivos recentes, as contas públicas brasileiras inspiram cuidado. Somos um país com dívida alta, juros elevados e uma estrutura de despesas engessada e indexada.
Neste sentido, o começo do novo governo não foi promissor. A equipe de transição aprovou uma PEC que ampliou a capacidade das despesas públicas para bem além do necessário para temas críticos, como a manutenção do Bolsa Família nos patamares atuais. Não houve o senso de urgência demandado pela fragilidade das contas.
A expansão de gastos eleva a dívida pública pelo aumento do déficit primário e, indiretamente, por reduzir o espaço para corte de juros. Desde o início das negociações da PEC, as taxas de juros nos mercados futuros subiram quase quatro pontos percentuais – com um impacto estimado de R$ 160 bilhões no serviço da dívida. A equipe de economia da XP projeta alta de 10 pontos percentuais da relação dívida/PIB nos próximos dois anos.
O endividamento crescente leva a sociedade a incorporar em suas expectativas que, em algum momento, o governo vai gerar inflação ou aumentar impostos para pagar a conta. Esta perspectiva pesa sobre a economia real, reduzindo investimento, renda e emprego ao longo do tempo. A incerteza pressiona os ativos financeiros, mantendo juros mais elevados e taxa de câmbio mais desvalorizada do que o adequado para o país.
Há tempo, contudo, para corrigirmos a rota. Manifestações recentes de membros do novo governo como o ministro Rui Costa (em entrevista ao Valor Econômico, 6 de janeiro) e secretário do Tesouro Nacional Rogério Ceron (fala à Folha de SP, 5 de janeiro), reconhecem a importância do ajuste.
O primeiro movimento nesse sentido será buscar receitas. A estratégia é arriscada pois i) aumento de carga pode intensificar a desaceleração da economia, comprometendo a arrecadação futura; ii) a maioria das medidas demanda aprovação no Congresso, que tem sido avesso a elevar de impostos. Não nos deixemos iludir pela votação que governo conseguiu para a PEC da Transição: é muito mais fácil aprovar aumento de gastos do que de impostos, que provoca uma reação contrária bem mais coordenada da sociedade.
A esperança de um ajuste mais sustentável reside, portanto, na proposta de novo arcabouço fiscal que o ministro Haddad sinalizou para o segundo trimestre. O novo arcabouço fiscal precisa de parâmetros claros que deem previsibilidade à dinâmica da dívida, aumentando a percepção que somos solventes à médio e longo prazos.
O teto dos gastos cumpriu muito bem essa função nos últimos anos. Foi um ingrediente importante para a convergência das expectativas de inflação para as metas, abrindo espaço para a queda de juros. Antes da pandemia, a taxa Selic chegou a 4,25%, sem sinais de superaquecimento da economia ou de pressões inflacionárias.
O teto, no entanto, era o primeiro passo de um processo mais profundo de ajuste. Enquanto ele funcionava, era preciso avançar em desvincular, desindexar e desobrigar a estrutura de gastos públicos no país, sob pena da pressão da compressão gastos obrigatórios e investimentos acabar por implodir o teto.
Avançamos um pouco, com a reforma da previdência e a desalavancagem dos bancos públicos. Mas faltaram ingredientes chave, como a reforma administrativa e uma ampla revisão da pertinência dos gastos – trabalho fundamental iniciado pelo Conselho de Monitoramento e Avaliação das Políticas Públicas (CMAP), que precisa ser continuado e implementado.
Mas, em geral, a pressão de gastos cresceu. Houve aceleração das sentenças judiciais contrárias ao Tesouro (precatórios), a ampliação de emendas parlamentares, a criação do fundo eleitoral, o piso da enfermagem, novos programas na área cultural, entre outros.
A fadiga do modelo acabou levando a sucessivas alterações no teto e, por fim, sua sentença de morte com presidente Lula o classificando como “uma estupidez”.
O que colocar no lugar? Há propostas para trocar o teto por uma meta de dívida pública. Seria um arcabouço semelhantes ao de metas para inflação. Temos uma meta para a dívida pública, e controlamos os instrumentos fiscais – gastos, subsídios, tributos – para atingi-la. A semente deste modelo foi lançada por um artigo de 2019 elaborado por servidores do Tesouro Nacional, e incorporada na Constituição Federal na PEC Emergencial (109/2021, Art. 163, Inciso VII).
O problema é que a gestão de instrumentos fiscais não é simples como é a da taxa Selic, ajustada periodicamente pelo Copom. Cada real gasto pelo orçamento federal, cada benefício tributário concedido, tem seu “dono”, que brigará ferrenhamente por ele no Congresso Nacional. A discussão é difícil porque o benefício de cada gasto ou desoneração é individual (ou de um pequeno grupo), enquanto o prejuízo é do agregado órfão da sociedade.
Assim, trocar a âncora fiscal para uma meta de dívida não nos deixará livres de estabelecermos um claro limite legal para os gastos públicos, que empodere a Fazenda para atingir o equilíbrio da dívida. A regra pode ter alguma flexibilidade frente ao modelo do teto: por exemplo, pode permitir uma maior transferência de renda aos pobres se o governo acabar com um benefício tributário sobre bens essenciais que beneficia ricos e pobres.
Mas a matemática das contas públicas indica que, para estabilizarmos o crescimento da dívida, dificilmente escaparemos de um crescimento das despesas totais muito próximo à inflação.
A vantagem aqui é que, se a regra for crível e bem desenhada, a melhora da dívida é turbinada pela queda de juros. Estamos em momento de desinflação global, que vai ajudar a reduzir a inflação por aqui. Com perspectiva fiscal equilibrada, o espaço para o Banco Central reduzir juros pode ser substancial, acelerando a melhora da trajetória da dívida.
Mas a ordem dos fatores interfere no produto. Se o diagnóstico for de que o que atrapalha do fiscal são os juros altos, forçá-los para baixo só trará mais incerteza e inflação adiante. A política fiscal tem que entrar em sintonia com a política monetária, não em rota de colisão.
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